sexta-feira, 1 de maio de 2015


Dia do Trabalhador: pão sobre todas as mesas.
João Crispim Victorio[i] 

A história do povo de Deus[1], contada no Antigo Testamento, é a história dos hebreus. Povo que Deus escolheu para se manifestar à humanidade. A longa caminhada dos hebreus é marcada por muito trabalho entre homens, mulheres e crianças que aos poucos foram se consolidando em um povo. Houve muitas coisas boas como também ruins, muitas divergências e convergências na sua forma de organização social. A história desse povo é marcada por trabalho escravo, opressão, exílio, divisões, guerras e violência. É a história de um povo contada pelo próprio povo a partir daquilo que é mais importante e que gira em torno de um fim prático, a libertação.
Deus amou o mundo e sua criação. Escolheu o povo hebreu para se manifestar e enviar o seu Filho amado para solidificar esse amor. Se “Ele não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós. Como não nos dará também todas as coisas junto com o seu Filho?” (Romanos 8:32). Esse amor é que nos move na construção e consolidação de uma sociedade justa e fraterna, com trabalho e salário digno, educação pública de qualidade, saúde atuando primeiramente na prevenção, cultura e lazer para todos do campo e das cidades. Esse amor expressa de forma clara o sentido coletivo da vida e não o individualista, isso, significa dizer que enquanto uma só pessoa estiver a margem do processo social de inclusão a nova sociedade não acontecerá.
O trabalho[2], uma das necessidades humanas, presente na história do povo de Deus, como podemos verificar em Gênesis: “Você comerá seu pão com o suor do seu rosto, até que volte para a terra, pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará” (Gênesis 3: 19), tem sua origem com o aparecimento do ser humano e a sua busca por alimentação. Neste sentido, o homem vem transformando a natureza com o seu trabalho a partir da criação de pequenas ferramentas, primeiro de pedra e depois de metal numa evolução extraordinária que se dá com o desenvolvimento intelectual, permitindo, cada vez mais, o avanço científico e tecnológico da humanidade.
No Brasil, os desenvolvimentos social e tecnológico ocorrem ao longo dos períodos históricos confundindo-se com a história da evolução do trabalho e do modo de produção. Sendo assim, o movimento imigratório do final do século XIX, com o intuito de substituir a mão de obra escrava após a abolição, tem particular relevância devido à experiência de organização trabalhista trazida por europeus. Mas enquanto começávamos a engatinhar rumo à organização da classe trabalhadora, na cidade de Chicago em maio de 1886, uma grande manifestação de trabalhadores protestava contra as condições desumanas e a carga horária de trabalho a qual eram submetidos. A greve tornou-se intensa a ponto de paralisar os Estados Unidos. Houve vários confrontos dos manifestantes com a polícia resultando na morte de diversos trabalhadores. Este fato levou a França e depois a Rússia a proclamar o dia 1° de maio como feriado nacional em comemoração ao dia do trabalhador. O Dia do Trabalhador[3] no Brasil foi consolidado em 1924 no governo de Artur Bernardes.
O advento das máquinas no Brasil dá inicio a um novo modelo de produção que encontrou muitos problemas até sua consolidação. O mais grave deles foi à falta de profissionais qualificados para executar os serviços mais complexos. Pois naquela época nossa sociedade era formada basicamente por um contingente grande de analfabetos, consequência da falta de investimentos na educação e na profissionalização do povo brasileiro nas fases colonial, imperial e República Velha. Só a partir de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas a presidência da República, inicia-se uma nova etapa em nosso país com o ideal nacionalista de progresso, por meio da industrialização, que trazia em seu bojo, consequentemente, a necessidade da formação profissional da classe trabalhadora. Em 1937, Getúlio proclama o estado de exceção, proíbe todas as organizações políticas, dissolve o Congresso e declara o Estado Novo. Aproveitando-se do momento de instabilidade política que atravessava o país com o fantasma do comunismo que assustava a classe média, os empresários, os banqueiros, os latifundiários e os militares.
A segunda etapa tem início com a implantação do Estado Novo, Getúlio Vargas permanece no poder por mais oito anos. Essa época foi marcada por muitos conflitos de classes e os trabalhadores viram algumas de suas reivindicações e direitos serem garantidos pela Consolidação das Leis trabalhistas – CLT, também viram ir por água abaixo toda uma estrutura sindical que aos poucos se consolidava. O governo central cria uma estrutura organizacional trabalhista de cima para baixo, desde o Ministério do Trabalho até as delegacias regionais, atrelando os sindicatos a esta estrutura, criando o sindicalismo pelego, minando a força do movimento sindical e assim se passaram quinze anos.
As últimas quatro décadas do século XX não foram nada fáceis para a classe trabalhadora deste país. Quando se sonhou que todo mal estava para acabar, com as Reformas de Base anunciadas e defendidas pelo então presidente João Goulart, o pior aconteceu, nada foi tão terrível quanto o golpe militar iniciado na prática em 1964. Foram vinte e um anos de escuridão, medo e morte. Os trabalhadores foram impedidos de participar de seus sindicatos ou de qualquer outro tipo de organização que por ventura viesse despertar suspeita aos algozes de plantão. Toda e qualquer forma de resistência era combatida eliminando os mesmos cometendo-se o crime de assassinato.  Graças aos mais variados tipo de resistências foi possível mostrar para o mundo a barbárie cometida pelos militares, com apoio dos conservadores, parte da classe média, da igreja católica, dos empresários e banqueiros.
Durante todo esse processo interno que vivíamos aqui no Brasil, ventos fortes sopravam do norte do continente americano, ou seja, dos Estados Unidos, desde o final da Segundo Guerra Mundial, ditando uma Nova Ordem Mundial[4]. Nesse sentido em 1980, chega ao fim à oposição capitalismo X socialismo e o capitalismo passa ser o sistema de quase todo o mundo. Nessa conjuntura, a maior parte da riqueza mundial, agora globalizada, passa a pertencer às grandes corporações internacionais. Com o esgotamento do Estado do bem-estar Social[5], o neoliberalismo com sua proposta de estado mínimo ganha prestigio e força e o resta para a classe trabalhadora é o arrocho salarial, o desemprego, a flexibilização do trabalho[6] e todo tipo de violência contra os trabalhadores.
Apesar de todos os problemas vividos no inicio do século XXI, aqui no Brasil a classe trabalhadora e o povo pobre, de modo geral, volta a sonhar com dias melhores. Nesse momento existe a possibilidade concreta de se eleger o primeiro presidente trabalhador, oriundo do movimento sindical e das classes populares e, o melhor, com cara da gente pobre, que é maioria desse país. Conforme (João 10: 10), “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”. Nesse sentido, a esperança de dias melhores vence o medo de lutar por vida plena, onde haja igualdade de condições para todos independente da cor da pele, da orientação sexual, do gênero, da forma de falar, de vestir ou de andar. O sonho começa tomar forma de realidade com emprego para todos, melhores salários, com a reforma agrária e o pão sobre todas as mesas.
O mal, ainda, não foi totalmente vencido. Temos que enfrentar todos os dias, sem esmorecer, as novas batalhas criadas pelo poder opressor. Vivemos, hoje, uma tentativa de golpe contra a democracia, quando tentam derrubar a presidenta da República, contra a população mais pobre desse país, quando tentam acabar com o Programa Bolsa Família, por meio das grandes mídias, com discursos pejorativos à camada mais pobre da população, e contra os trabalhadores, quando o Congresso aprova o Projeto de Lei 4330/04[7], utilizando-se de um discurso de modernidade, quando na verdade tratá-se da precarização do trabalho. Mas, assim, como o apostolo Paulo, na sua segunda carta a Timóteo, haveremos de combater o bom combate, terminar nossa corrida e conservar a nossa fé (2Tm 4: 7). 


Rio de janeiro, maio de 2015.




[1] A História do Povo de Deus: introdução para uma leitura da Bíblia, hoje. Ação Católica Operária e Comissão Nacional de Pastoral Operária. Volumes 1 e 2.
[2] Para Marx o trabalho é expressão da vida humana, por meio da qual é alterada a relação do homem com a natureza. Por meio do trabalho o homem transforma a si mesmo.
[3] O 1º de maio é, também, conhecido como Dia do Trabalho. No entanto, adoto aqui Dia do Trabalhador por ser uma data comemorativa para celebrar as conquistas dos trabalhadores ao longo da história.
[4] A Nova Ordem Mundial é o plano geopolítico internacional das correlações de poder e força entre os Estados Nacionais após o final da Guerra Fria. Ou seja, com a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética, o mundo se viu diante de uma nova configuração política. Nesse contexto, a soberania dos Estados Unidos e do capitalismo se estende por praticamente todo o mundo e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) se consolida como o maior e mais poderoso tratado militar internacional.
[5] Estado de Bem-Estar Social  é um modelo no qual o Estado é organizador da política e da economia, encarregando-se da promoção e defesa social. Esse modelo se expandiu a partir da década de 1930 nos países europeus defensores da socialdemocracia.
[6] Flexibilização do trabalho significa perda de direitos conquistados. O que pressupõe aumento do poder discricionário do capital de determinar unilateralmente as condições de uso, contrato e pagamento do trabalho.
[7] Projeto de Lei 4330/04, regulamenta os contratos de terceirização no setor privado e para as empresas públicas, de economia mista, suas subsidiárias e controladas na União, nos estados, no Distrito Federal e nos municípios.  





[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.

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